O que você faria se soubesse que morreria em pouco tempo? Um ano, máximo cinco? Me faço essa pergunta sempre que preciso tomar uma decisão importante. A resposta me guia para a minha vontade maior. Conhecer o mundo, sentir-me viva e tornar-me uma pessoa melhor por meio de novas experiências e relações tem sido minha resposta nos últimos anos. Por mais que existam outros desejos, mesmo com saudade de meus amores em forma de família e amizades, escolhi viajar. Mas eu não estava morrendo. Apesar de pensar constantemente na morte e acreditar que seguiria o mesmo caminho caso estivesse, eu não estava morrendo. Molly sim.
Diagnosticada com um câncer terminal aos 43 anos, Molly Kochan decidiu que queria gozar e fez dessa experiência sua jornada final. É sugestivo, provavelmente até proposital, que em português a palavra gozar seja utilizada para o ato do orgasmo durante uma relação sexual ou masturbação e também para qualquer outro tipo de prazer: gozar a vida nos leva a aproveitar a vida, gozar de uma refeição, um momento, uma companhia. No dicionário:
Molly decidiu que o fim da sua vida não seria sem gozo e focou no sexual. Para isso deixou um casamento de 15 anos e um marido cuidadoso, mas que pouco se importava com as prioridades da esposa. Ela queria descobrir seu corpo, sentir-se desejada, obter prazer sexual. Sua jornada foi documentada no podcast Dying for Sex, no seu livro de memórias, Screw cancer: Becoming Whole (Foda-se o câncer: tornando-me inteira - tradução livre) e recentemente na série disponível no Disney +, que leva o mesmo nome que o podcast e no Brasil for traduzida para: Morrendo por Sexo. Assisti os oito episódios da série essa semana e não sei falar de outra coisa. A história de Molly, recheada de coragem e autenticidade é a história do tipo de mulher que foge do status quo e constrói seu próprio caminho, mesmo que ele seja diferente de tudo o que lhe ensinaram a desejar.
Molly tinha esse marido organizado, com plano de saúde e conhecimento sobre os nomes técnicos e procedimentos médicos que envolviam a doença da esposa. Aparentemente o tipo de homem raro e desejado pelas mulheres, pois ele cuida, mas - havia um problema, sempre há - ele não a fazia gozar. E Molly queria gozar. Com esse desejo no centro ela deixa o marido e inicia suas aventuras sexuais, contra tudo o que nos ensinaram a desejar ou gostar: ter um único amor, viver a monogamia, sexo é melhor com intimidade, mulheres não gostam de sexo tanto quanto homens, homens precisam de sexo, mulheres não, sexo é perigoso e [insira aqui o que você já ouviu sobre sexo e mulheres]. Molly diz foda-se para todas essas regras e sai em busca de se descobrir. Ela não tinha tempo a perder. E explora, a fim de saber do que gosta, de entender o que realmente deseja e como sentir prazer.
A história de Molly me fez rir e chorar na mesma medida. Ver aquela mulher se percebendo, enfrentando seus traumas e demônios, admirando seu próprio corpo e os de seus parceiros me deixou sem palavras, mas eu preciso falar sobre ela. Além desse lugar da autenticidade e da coragem de fazer diferente do que é pregado, a história fala tanto de amizade quanto de sexo. Durante sua jornada de auto descoberta, Molly percebe não querer morrer ao lado do marido, mas sim ao lado da melhor amiga Nikki, que passa a ser testemunha do fim da vida e da sua jornada pelo gozo. Nikki transforma sua rotina para cuidar de Molly, pois não havia nada mais importante do que estar perto da jovem amiga cuja vida se acabava, enquanto a morte proporcionava uma experiência antes impensável. E a relação das duas quebra outro padrão social: o de que só a família estará por perto se adoecermos.
Na introdução do podcast a voz de Nikki pergunta: “o que você faria se lhe fosse dado apenas alguns anos de vida? Eu sei, essa é difícil de responder. Eu vou esperar”.
E continua: “você viajaria o mundo e visitaria todos aqueles lugares que sempre quis visitar? Ou talvez passaria mais tempo com as pessoas que ama? Ou talvez terminaria um projeto que nunca começou?”. Sem saber eu me fazia a mesma pergunta com a qual Nikki começa a contar a história da amiga. Menos rara que a jornada do gozo de Molly, viajar o mundo aparece como o primeiro item de uma possível lista de desejos terminais, provavelmente porque tem sido listada como uma das principais experiências que mulheres gostariam de viver, mesmo quando não estão à beira da morte. Recomendo. Mas sua resposta não precisa constar entre as listadas acima, só há de haver uma resposta, que fale sobre você. Encontre o seu gozo.
A história de Molly e Nikki me provou o que minhas viagens me mostram a cada dia, mesmo que eu a tenha assistido do sofá da sala da cidade onde nasci. As amigas corajosas me lembraram como as pessoas são diversas e que o modo de viver e buscar uma vida interessante é tão amplo quanto a quantidade de estrelas no céu. Para isso, fugir das regras ensinadas e explorar o nosso querer real, independente do que nos foi ensinado é o grande segredo, não tão secreto assim. Elas também me confirmaram que até a morte pode ser transformada numa experiência. Que a vida é triste e bonita. É triste justamente por ser bonita. Que é difícil deixar o belo ir embora. O belo de uma amizade que te faz inteira e com quem se quer morrer ao lado, por não ser mais possível envelhecer. Que o toque, o sopro, as risadas e o sentir também são gozo.
Vivi a escolha de Molly, o apoio irrestrito de Nikki e todas as suas descobertas com um olhar de extrema admiração. É um caminho longo não julgar uma mulher que queira viver aventuras sexuais, ou que simplesmente fale de sexo. Criada na igreja, de preferência para casar virgem e com certeza para transar com apenas um homem durante toda a minha vida, demorei a libertar-me desses padrões de julgamento. Por isso a história dessas mulheres livres me encanta. Molly foi dona do seu corpo e do seu gozo. Nos lembrou que investigar nossos desejos, sobretudo quando se é mulher, é urgente porque é transformador.
Terminei a série emocionada pela beleza das relações construídas e da morte como experiência vivida, aquela sobre a qual se pensou e ponderou. Chorei a falta nunca preenchida das nossas pessoas que se foram, mesmo que outras tenham chegado, mesmo após novos sorrisos e gozo. Pensei, sobretudo, na revolução que é querer gozar. Acostumadas a viver com mais medos que desejos, sexuais e de vida, sempre me surpreendo com a quantidade de mulheres com poucas vontades à minha volta, com o número delas que nunca gozou e já desistiu de tentar. Para quem acha que deixar filhos é o único e maior legado de uma mulher sobre a Terra, Molly deixou o desejo. Querer gozar foi sua grande revolução e espero que ela te faça desejar também.